Já fui a muitos velórios e todos são praticamente iguais: Primeiro, o choque ou alívio, dependendo da causa da morte. Depois a parte prática: A escolha do caixão, decidir onde vai ser o velório e o enterro. Também é preciso avisar amigos e parentes. Doação de órgãos nem se cogitam.

Geralmente a pessoa que vai comprar o caixão é a menos indicada para escolher. Com o pretexto que depois de morta a pessoa não precisa de mais nada, que está sofrendo muito com a perda, para ficar se preocupando com bobagens, como luxo e aparências e devido ao alto custo do caixão e acessórios, escolhe-se qualquer coisa entre o mais barato e o mais ou menos. As pessoas encarregadas de comunicar o falecimento, despreparadas, muitas vezes esquecem-se de avisar alguns, avisam duas ou três vezes a mesma pessoa.

Para se marcar a hora do enterro ou cremação, precisa se levar em conta o tempo que demoram em chegar os parentes que moram em outras cidades ou estados. E a pessoa que está cuidando desta parte, como eu falei, não é a mais indicada, não se preocupa com estes detalhes e transforma a chegada ao velório numa verdadeira gincana ou, dependendo do estado das ruas num rally.

Decidido o local do velório, para lá se dirigem os amigos e parentes. No começo é aquela choradeira, contam os detalhes mórbidos da coisa para as pessoas que querem saber como tudo aconteceu. Mais calmos começam a relembrar como era a pessoa em vida; é o momento da ternura, de alguns sorrisos. Os defeitos e falhas de caráter são propositadamente esquecidos, ou quando muito, usam-se eufemismos para mencionar estas características. Esta é a primeira fase do velório.

Na segunda fase, os presentes começam reparar uns nos outros: Como a Fulana está gorda, como Sicrana está velha, acabada! Será que Beltrano vem? Uns dizem, claro que sim, outros, claro que não, fazem até aposta. Alguém nota a falta de algumas pessoas que deveriam ter vindo. Será que foram avisadas? Ninguém tem certeza, afinal é um momento de dor, uma situação traumatizante. Neste estado ninguém é capaz de tomar todas as providencias. Já é madrugada então é melhor esperar amanhecer para telefonar, para que possam pelo menos comparecer ao enterro.

É nesta fase que os presentes falam de suas próprias doenças, suas cirurgias, bem ou mal sucedidas. Tomam decisão de parar de fumar, praticar exercício, se alimentar direito. O assunto vai se acabando, o sono chegando, é preciso andar um pouco pra despertar. Vão dar mais uma olhada no(a) morto(a). Mais conformados, reparam primeiro na aparência da pessoa, depois no que está vestindo, nas flores, no caixão, na coroa, no castiçal, etc. e vem a pergunta fatal: Quem escolheu o caixão? Se for muito simples, criticam dizendo que é sovinice, se é luxuoso, dizem que estão querendo compensar o que não foi feito em vida para a pessoa.

Madrugada em curso, todos com fome, mas sem coragem de comer, pois o lugar é desagradável e o bar é péssimo.
Começam a chegar os parentes de longe. A choradeira recomeça, os detalhes dos últimos momentos são contados novamente, a hora da ternura e a reprise da segunda fase.

Amanhece o dia. Quem pode vai para casa tomar banho, se vestir para o enterro e tomar café.
É de manhã que costumam vir para o velório, as pessoas que não têm parentesco, mas tem amizade ou algum tipo de relacionamento com o(a) morto(a) ou seus familiares. Em geral não demoram muito, pois não encontram ninguém conhecido, pelos motivos acima. O jeito é assinar o livro e ir embora.

Aproxima-se a hora do enterro e os parentes de muito longe ainda não chegaram. É a luta contra o tempo. Às vezes é preciso subornar os coveiros para adiar um pouco o enterro, para dar tempo de chegarem os parentes. Isso quando o enterro é no mesmo lugar que o velório. Se não for, os parentes em trânsito, não sabem se vão para o velório ou direto para o cemitério, muitas vezes se perdendo pelo caminho por não conhecerem direito a cidade.
Como é inevitável, enterra-se o(a) morto(a) e vão para a casa fazer a partilha.

Por causa disso tudo que eu estou organizando o meu velório e aconselho que você faça o mesmo. Não me venha dizer oh! Que horror! Que você não se importa, que depois de morto tanto faz, porque eu não acredito. Tenho certeza que você ficou assistindo pela televisão o velório do Ayrton Senna, da Lady Di, do Felinni. Você se importa sim, só não sabia que era possível.

Meu velório ainda não está todo planejado. A cada dia acrescento alguma coisa, mudo outra, afinal tenho muito tempo.
Meu caixão quero de madeira laqueada, falta escolher a cor. Por dentro quero que seja acolchoado e forrado de veludo ou cetim vinho. Farei duas roupas, uma de inverno e outra de verão, mas terá que ser em tom claro para contrastar com a cor do forro do caixão.

Para o velório quero música o tempo todo, selecionadas é claro. Em algum momento será música ao vivo. Estou pensando no Edson Cordeiro se estiver livre no dia. É preciso definir uma segunda e terceira opções.

Estou pesquisando alguns lugares onde se dará o evento. Sugeriram-me o pequeno plenário do Ibirapuera que cabem cinco mil pessoas; achei um pouco grande, pode dar problema na acústica. O lugar escolhido deverá ter estacionamento. Tenho que me decidir entre manobristas e serviço de ônibus saindo de várias partes da cidade, como fazem na época da Fenit e Couro Moda. Talvez tenha que ter os dois serviços. Também é preciso colocar faixas pela cidade, indicando o local, como nos dias de corrida em Interlagos.

Para a decoração não poderá ser nada menos que orquídeas de todas as cores e variedades.

Quero um serviço de Buffet que será servido em uma sala à parte. O cardápio ainda não escolhi, mas com certeza não terá coxinha ou pastel. O cheiro de fritura é insuportável.

O local deverá ter vestiário, para que as pessoas possam se recompor para o enterro.
Quero um telão passando os melhores momentos da minha vida.

O discurso de encerramento estava pensando no Cid Moreira, mas acho que ele morre antes de mim. Quem sabe o Tony Ramos...

Tenho ainda que organizar a lista de convidados. Sim, porque não quero que ninguém seja esquecido, mas também não quero nenhuma pessoa indesejável, que vá só para ter certeza que eu morri, ou para candidatar-se à minha vaga. Por via das dúvidas, vou fazer duas listas: uma para as pessoas convidadas e outra para as pessoas proibidas de comparecerem. Na lista de pessoas proibidas está o Augusto, meu sobrinho. Ele não é uma pessoa indesejável, mas ele tem um talento natural para fazer as pessoas rirem, e não quero meus convidados às gargalhadas no meu velório.

Vou deixar uma pessoa de confiança encarregada das últimas providencias e mais três para supervisionar para que não hajam falhas.

É lógico que para que tudo saia perfeito, é preciso deixar tudo combinado com antecedência. Por exemplo: O Buffet escolhido tem que estar ciente desde já do tipo de evento, pois não tem data para acontecer. O mesmo se dá com a floricultura, os músicos, o serviço de ônibus e manobristas.

Para entrega dos convites, nem pensar no correio, não dá tempo, o melhor é contratar motoboy.

Vou doar meus órgãos e quero ser cremada, além do que a sala de cerimônias do crematório e muito bonita, parece um teatro de arena.

Então é torcer para que o fato não ocorra durante a Copa, Olimpíadas, ou Eleições, por motivos óbvios.

Se você quiser aproveitar a minha idéia, esteja à vontade. O seu evento pode ter a sua cara. Você pode contratar o Tiririca talvez, para o discurso pode contratar o Asa Branca, pode ter até Ôla. Você é quem decide, ou deixa por conta de algum parente e corre o risco de ser velado num lugar cheio de gatos, que de madrugada dão miados horríveis.

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