JORGE
            Quanto mais ele conhecia Janaína, mais ele a admirava. Uma jovem pobre, trabalhadora e nada interesseira. Que pena  ela não ter celular. Tinha tanta vontade de ficar mandando mensagem pra ela como via seus filhos fazerem.  O Junior conseguia até brigar por mensagem! Mas com a Janaína ele nunca teria motivos pra brigar. Gostaria de falar com ela a hora que quisesse sem ter que esperar ela ligar. Mas ela era uma filha obediente, então era melhor se conformar.
            Quanto mais qualidade ele via em Janaína, mais ele implicava com a mulher. Sempre que podia se referia a ela como “uma senhora”. Irritava-se com os cuidados que ela tinha com ele: Sempre perguntando se tinha tomado o remédio de pressão alta, falando pra não sentar de costas pra janela, por causa do vento, lembrando a data da consulta com o cardiologista, aquele médico alarmista. Mal sabia ela que ele estava no auge do seu  vigor! Outra coisa irritante era agüentar as piadinhas dos empregados no futebol. Idéia do metido do Adalberto: confraternizar com os funcionários! Formaram até um time. Tudo bem antes de conhecer Janaína, que ele tinha poucas opções de divertimento, mas agora tinha mais o que fazer. Se perdia um gol, ou dava um passe errado, os engraçadinhos ficavam perguntando se o velho estava cansado, se estava com dor  nas varizes, se a barriga estava atrapalhando, um atrevimento! Perguntem pra Janaína quem é velho! Helena sim é velha. Sempre os mesmos assuntos: Renoir, Picasso, da Vinci. Quem liga pra esses caras que morreram faz tempo? Que não fariam falta se nem tivessem nascido. Vivia arrastando ele pra teatro, concerto. Quando começaram namorar, tudo bem ir pra conhecer, mas fazer disso um hábito já era querer demais. Ir ao cinema assistir filme de ação já estava mais do que bom. Helena ficava desesperada quando lia a notícia que tinham roubado algum quadro de algum museu ou galeria. Jorge ficava chocado de saber que alguém pagava por uma coisa daquelas e o que é pior: se arriscar a ser preso por roubar um quadro que tinha certeza, a dona Genoveva faria melhor.


Jorge também não entendia porque Helena fazia tanto sucesso nas reuniões de amigos. Ela estava sempre rodeada de gente conversando animadamente, e todo mundo prestando atenção ao que ela falava.  Um amigo até elogiou o novo corte de cabelo. Disse que a cor tinha ficado ótima, que combinava mais com ela.  Novo corte? Nova cor?  Afinal indo tanto ao cabeleireiro... Na idade dela tinha que apelar pra estes recursos, coitada. Ah, se essa gente conhecesse Janaína! Beleza natural!
Ficava imaginando Janaína entrando e todo mundo olhando de boca aberta: Morena, calça justa, barriguinha de fora, cabelo solto, não, melhor preso, é muito armado. Tamanco alto, unhas pintadas de vermelho, brinco de argola enorme. Se Janaína entrasse ninguém nem olharia mais pra Helena. Mas isso seria impossível, então o jeito era tomar outro uísque e agüentar o olhar de reprovação da Helena. Dane-se.

TIANA
Apesar de não amar Raimundo e ele ser mais velho, feio e grosso, Tiana estava contente. Afinal ela não ia casar, só morar junto. Ia fazer um pé de meia e depois, quem sabe...
Tão logo Raimundo falou que tinha alugado casa ela ensacou as suas roupas  e as da Jucimara, e de nariz empinado despediu-se da parenta, não sem antes convidá-la para um chá como via as mulheres ricas fazerem nas  novelas.
Casa foi o que Raimundo falou, mas depois de passear por duas horas no caminhão com Jucimara enlouquecida pela novidade chegaram num bairro de periferia, numa rua sem asfalto, num quintal com vários cômodos, muitas crianças e muitos cachorros. A primeira coisa que Tiana pensou, foi que teria que cancelar o chá com a parenta, a segunda foi que deveria ter esperado um pouco mais pelo príncipe encantado.
Todo mundo do quintal conhecia Raimundo, todo mundo tinha sotaque e todos foram muito simpáticos com ela. Não era de todo mau. Até ela ver onde iam morar: um quarto e cozinha com mobília velha. Decididamente ali a parenta não tomaria chá. Raimundo nem percebeu sua decepção, ou se percebeu nem se importou, ele não era homem de aturar frescura de mulher.
Jucimara adorou ter tanta criança pra brincar e nenhuma regra. Na casa da parenta não podia correr nem gritar, coisas que aqui todas as crianças faziam o tempo todo.
Tiana acomodou as suas roupas e as de Jucimara o melhor que pode e pediu para Raimundo trazer a roupa dele pra ela arrumar, mas ele falou que só tinha uma sacola com algumas trocas no caminhão, nem precisava guardar, pois ele ia pegar estrada dentro de dois dias. Tiana estranhou, mas tinha uma casa pra cuidar, precisava limpar, fazer a janta. Raimundo ficou de bate-papo com o pessoal do quintal, bebendo e rindo, enquanto Tiana que já tinha terminado a arrumação e sem ter mais o que fazer não sabia se chamava Raimundo pra jantar ou se ia lá fora conversar.  Não o conhecia  bem pra saber se ele ia se importar com qualquer atitude que ela tivesse. Decidiu ir lá fora, pois ouviu música do tipo que ela ouvia lá na sua terra. Raimundo não  achou ruim por ela aparecer lá no quintal, até ofereceu bebida, apresentou pros conhecidos. Parece que eles aprovaram a escolha do Raimundo. Logo todo mundo tava dançando, comendo lingüiça assada numa churrasqueira de lata e bebendo caipirinha. Nada mal seu primeiro dia de juntada! A primeira noite também não foi ruim. Com tanta caipirinha e dança Raimundo não pareceu tão feio, nem tão velho. Jucimara dormiu na casa de alguma vizinha e Tiana depois de longos anos dormiu com um homem... sem proteção novamente. Mas agora ela não devia satisfação a ninguém, nem a sua mãe nem a parenta.


HELENA
Helena não tinha ido ao cabeleireiro e nem tinha falado que iria, mas dona Genoveva adorava dar essa desculpa quando ela não estava em casa e Jorge sempre acreditava. Hoje ela tinha saído como em todos os dias para ir ao trabalho, mas entre um cliente e outro tinha ido se encontrar com Roger. O encontro foi maravilhoso, Roger entregou mais um  presente que tinha comprado na última viagem e como sempre insistiu que ela se separasse de Jorge. Ele não se conformava que uma mulher como Helena conseguia viver com um homem tão rústico como Jorge. Nem uma das justificativas que ela dava satisfazia. Ele queria mesmo era ela só para si.
Era uma pena que perdessem tempo discutindo a rusticidade de Jorge ou a importância do seu casamento, mas era o preço por ter um envolvimento assim.

JORGE
Apesar de estar feliz com o relacionamento com Janaína, Jorge queria mais. Sabia que não poderia viver com ela, pois a mãe conservadora não permitiria. Divórcio estava fora de cogitação, pois tinha certeza que seria chutado da fábrica por Adalberto e Helena. Mas ter uma mulher como Janaína e não exibir era de matar!  
Como e pra quem, passou a ser a preocupação de Jorge. Todo mundo que ele conhecia, tinha a ver com a fábrica e conseqüentemente com Adalberto e Helena. Os amigos de fora da fábrica eram do tempo que era um simples operário e com o envolvimento com a fábrica essas amizades foram ficando para trás. Retomá-las só para exibir Janaína não seria uma boa idéia.
Jorge estava com muita pena de Janaína, pois sua tia estava prestes a fazer uma cirurgia e ela bondosa como só ela conseguia ser estava angariando fundos para pagar o médico. É claro que ele ia colaborar, mas estava cada vez mais difícil justificar as retiradas de dinheiro da fábrica. Deus me livre ter que se explicar pro Adalberto!
Com estas preocupações na cabeça, seu telefone tocou e era Clara, sua filha pedindo que ele aumentasse o limite do seu cartão de crédito, pois precisava comprar umas “coisinhas”. Indignado ligou no celular da Helena, mas estava desligado. Ligou em casa na esperança que sua mulher estivesse lá, mas a empregada atendeu e falou como era seu hábito, que dona Helena estava no cabeleireiro. Jorge estava furioso, sem paciência pra família. Não se conformava da mulher ir tanto ao cabeleireiro e estar sempre do mesmo jeito. Ninguém tinha limite naquela família, todos pensavam que dinheiro dava em árvore! O Jr então, só estudava, uma interminável e cara faculdade. Já tinha destruído vários carros e Helena ainda dizia que era “fase”. As fases dos seus filhos só davam prejuízo. Queria ver se eles tivessem uma vida dura como a Janaína, ou como a dele. Mas hoje ele ia ter uma conversa séria com a mulher sobre o limite do cartão da Clara. A Janaína não ia mesmo ligar, pois estava envolvida  com a cirurgia da tia, então o jeito era ir logo pra casa resolver este assunto.
    Chegou antes de Helena que chegou a casa com umas sacolinhas de supermercado. Não tem nada mais inocente e doméstico que uma mulher chegar a casa com sacolinhas de mercado. Jorge ficou desarmado quando viu que Helena havia comprado seu queijo predileto e as frutas que ele tanto gostava, que se esqueceu de reparar no seu cabelo. Decidiu abordar o assunto limite do cartão sem muita agressividade.  Quando ele começou a falar do pedido da Clara e que não via necessidade de aumentar o limite, Helena logo cortou a conversa, dizendo que a filha tinha começado um curso e precisava de umas “roupinhas” coisa natural na idade dela e de acordo com o nível social da família. Jorge desistiu de discutir. Se não fosse as frutas e o queijo ele diria quantos parafusos seria preciso vender pra comprar as “roupinhas” da Clara.  Amanhã ligaria para o gerente.

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