TIANA
       Enquanto Raimundo estava viajando Tiana pela primeira vez na vida se sentiu livre e feliz.  Dona do dinheiro, sem a parenta pra pegar no seu pé,  Jucimara solta no quintal, bate papo com as vizinhas que não trabalhavam, dança todas as noites regadas a caipirinha, achava que não precisava mais do que isso.
Acontece que Tiana não estava acostumada a lidar com dinheiro e antes de dez dias o dinheiro tinha acabado e ela não tinha comprado comida, só bobagens que vinham vender na porta. Também tinha comprado uma vez, lingüiça e pinga. Mas como estava entre amigos logo começou pedir emprestado desde dinheiro até arroz, feijão, óleo, etc., com a promessa de pagar quando Raimundo chegasse. No dia que era para o Raimundo chegar, apareceu um moleque do bairro trazendo um recado para Tiana: Raimundo tinha telefonado avisando que ia demorar pra voltar, pois tinha pego um frete para o norte. Tiana ficou desesperada e claro foi se queixar com as vizinhas, para quem estava devendo. Elas a acalmaram, dizendo que mulher de caminhoneiro, tem que se acostumar com a demora das viagens. Mas Tiana estava preocupada com a falta de dinheiro, então elas a aconselharam a trabalhar como diarista.  Trabalhar não estava nos seus planos, mas sem outra opção, ela começou a fazer faxina por indicação de uma das vizinhas que trabalhavam. Meio enferrujada pelos dias sem trabalhar, mas com a experiência que adquirira na casa da parenta, Tiana conseguiu dar conta do trabalho e ganhar dinheiro para se manter até Raimundo chegar. Depois do susto aprendeu a controlar melhor seu dinheiro.
Em um dos dias que tinha folga, ficou de conversa com as vizinhas e queixou-se do cansaço. Uma delas comparou-a com a mulher do Raimundo, dizendo que Tiana era muito esforçada enquanto a mulher dele não trabalhava. Tiana corrigiu: ex mulher! A vizinha percebeu que Tiana não sabia que Raimundo era casado, mas como tinha começado a falar foi até o fim.  Contou que eles tinham morado ali no mesmo quintal, que ela não trabalhava,  que tinham seis filhos, que ela quis se mudar para o norte, por não se acostumar com o clima etc.  Tiana ficou furiosa, então era isso que a parenta quis dizer com quebrar a cara?  Mas que filho da mãe!  Por isso ele não se importou dela ter uma filha.  E agora ele  tinha ido pro norte, pra sua casa! Então foi esse o motivo dele não trazer suas roupas, porque tinha outra casa! E se ele não voltasse? Como ela ia pagar o aluguel que ela nem sabia quanto era? Será que a parenta a aceitaria de volta? Com este estado de espírito, Tiana chegou à conclusão que fora uma idiota por ter aceitado morar com o primeiro homem que a convidara.  Não tinha perguntado se ele era casado e ele também não tinha tocado no assunto. Tiana percebeu que a culpa era só dela, pois ele deve ter pensado que ela não se importava com esta situação. A solução seria esperar ele voltar... Se, voltasse.
Raimundo voltou. Chegou feliz e trouxe presentes, até pra Jucimara.  Tiana ficou aliviada, afinal ele não a tinha abandonado, mas precisavam ter uma conversa séria.  Ele contou das peripécias da viagem, ela contou que estava trabalhando. Ele ficou um pouco surpreso, mas nada além disso. Logo um vizinho veio chamá-lo pra conversar e foi como das outras vezes: churrasco de lingüiça, caipirinha e dança. Como sempre Jucimara dormiu na vizinha.
No dia seguinte Tiana perguntou por que Raimundo não tinha contado que era casado e ele falou com a maior naturalidade que pensou que ela soubesse, afinal todo mundo sabia. Então ela falou que se soubesse, jamais teria ido morar com ele, que não era esse tipo de mulher que ele estava pensando.  Raimundo falou que ele não pensou que ela era mulher de nenhum tipo, que a mulher dele estava lá no norte, que era como se fosse separado. Se ela estava muito ofendida ele ia entender, mas não foi sua intenção prejudicar ninguém, afinal ele gostou muito dela e precisava de uma mulher aqui no sul, já que ficava bastante tempo por aqui entre suas viagens. Tiana pediu um tempo pra pensar, como nas novelas.
Tiana pesou bem os prós e os contras. Contra: Raimundo era casado, velho e pobre. Pró: ela não tinha pra onde ir. Aquele lugar era horrível, mas a única opção possível no momento. Raimundo tinha falado que precisava de uma mulher, se ela fosse embora ele arrumaria outra rapidinho.  Neste momento ela tomou a decisão mais importante da sua vida: Jucimara não ia ter o mesmo destino que o seu. Ela ia ser criada pra casar com um homem rico.

      JANAÍNA
Janaína só tinha o ensino fundamental que concluiu aos trancos e barrancos. Não gostava de estudar, não gostava de regras e a escola era cheia delas. Na escola era muito popular entre seu colegas e apesar de não se empenhar muito, alguns professores gostavam dela a ponto de a ajudarem a passar de ano. Sua mãe ficava enlouquecida com sua falta de interesse, seu padrasto dizia que mulher não precisava ser muito letrada. Sua mãe vivia implicando com suas amizades, seu comportamento.  Nada era bom o suficiente pra sua mãe. Como era reclamona! Implicava com seu padrasto, por ele ficar muito tempo em casa. Criticava sem dó nem piedade por ele ter perdido a visão de um olho em uma briga. O coitado precisou parar de trabalhar por isso, e ela só reclamava. Queixava de ter de fazer faxina pra ajudar nas despesas de casa. Vivia falando pra ela endireitar o corpo pra andar, sentar assim ou assado, sorrir quando cumprimentasse as pessoas. Queria que ela estudasse. Dizia que o futuro delas dependia disso!  Parecia louca!  Seus irmãos podiam fazer o que quisessem,  namorar quem bem entendessem, mas ela não, sua mãe sempre dava um jeito de espantar seus namorados. Primeiro fazia uma investigação completa, se fosse pobre: adeus!    
Apesar de não concordar com os métodos da sua mãe para selecionar seus namorados, Janaína ia levando... até conhecer Matheus. Janaína ficou deslumbrada com seu jeito largado e encantada com sua coragem: ele era motoboy! Que profissão perigosa!
Quando começaram namorar, Janaína contou como era sua mãe e disse que tinham que namorar escondido. Matheus achou ótimo, pois assim ela não viria com a conversa de conhecer a família e nem de namorar sério.  Mas achou um barato a mãe de Janaína ter esse tipo de preocupação com o futuro dela.
 Com o dinheiro que ganhava de Jorge ela presenteava Mateus com roupa, tênis, óculos de sol, perfume, até ingresso pra assistir futebol. Mateus aceitava com a maior naturalidade e até fazia exigências, quando ela demorava pra comprar alguma coisa pra ele.
Agora além de sua mãe tinha também o Mateus para pressioná-la a tirar dinheiro de Jorge. Tinha que se desdobrar entre namorar, encontrar Jorge e trabalhar.  Jorge até propôs pra ela parar de trabalhar, para ter mais tempo pra ficar com ele, mas Janaína sabiamente recusou dizendo que sua mãe a mataria se ela saísse do emprego. Ela não gostava de trabalhar no mercado, mas era preferível a ter que se encontrar mais freqüentemente com Jorge. Nem contou sobre esta proposta pra sua mãe, pois a velha ia aprovar e aí, adeus sossego. Sua mãe vivia dando sugestões para ela convencê-lo a se separar da mulher, mas Janaína preferia encontrá-lo de vez em quando, contar umas mentiras pra conseguir dinheiro e depois viver a vida dela. Jorge nem sabia que ela tinha celular. Ela falou que não tinha porque era caro. Então ele se propôs a comprar e pagar a conta. Ela recusou, dizendo que a mãe dela se descobrisse que ela tinha aceitado presente de alguém, trancaria ela a sete chaves. Com este argumento ele desistiu. Ufa!

     TIANA
      No segundo dia de sua mudança, Raimundo saiu pra cuidar do caminhão, combinar frete e Tiana ficou com muito tempo livre, como há muito tempo não tinha. Arrumou a casa como foi possível. Toda hora uma vizinha vinha até a porta perguntar alguma coisa, contar uma novidade, oferecer ajuda no que precisasse. Muito diferente do bairro da parenta que não se sabia o nome de ninguém, onde os vizinhos mal se cumprimentavam. Aqui tinha calor humano, solidariedade! Sem contar que a Jucimara com suas novas amigas, estava tão feliz que tava dando sossego. Logo percebeu que passava vendedores ambulantes toda hora. Quem comprava pipoca ou sorvete, tinha que comprar pra todas as crianças e ela não tinha nem um tostão. Pensou com pesar que teria que pedir dinheiro pro Raimundo. Será que ele ia achar ruim?
Na casa da parenta ela não tinha salário, mas como ela trabalhava, quando precisava de algum dinheirinho pedia pra parenta sem muito problema. Lá tinha fartura de comida, frutas, doces e Jucimara se alimentava direito. Aqui tinha somente o básico no armário e bobagens que passavam vendendo na porta e as vizinhas compravam. Decididamente precisava conversar com o Raimundo sobre isso.
Raimundo chegou à tarde com lingüiça, pinga e limão, a noite prometia! Seria melhor falar de dinheiro antes ou depois de beber?  Tiana achou melhor esperar e ver no que dava. A casa estava limpa, arrumada, com melhor aspecto e Raimundo nem notou.  Tiana também estava arrumada, de cabelo preso, de batom e Raimundo não elogiou. A noite foi como a anterior, lingüiça assada, caipirinha e dança e Tiana nem se lembrou dos problemas. Ficou torcendo pra Jucimara dormir de novo na vizinha.
Na manhã seguinte Tiana estava de ressaca e Raimundo não, afinal já estava habituado com estas noitadas.
Raimundo avisou que ia viajar e ficaria uns dez dias fora e quando Tiana estava ensaiando como ia falar de dinheiro, Raimundo se antecipou e colocou em sua mão um bolinho de dinheiro. Tiana quase rodopiou de alegria! Afinal estava se preocupando à toa!
Não ia convidar a  parenta pra tomar chá, mas tinha uma boa vida!

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