Cassandra é uma mulher organizadíssima e metódica ao extremo. Ela é daquelas que fazem lista de supermercado em três vias. Sua casa é um modelo de perfeição que nenhuma sogra ousaria criticar. Na cozinha, seu armário de potes plásticos se parece com o catálogo da Tupperware: todos estão com suas respectivas tampas e expostos por ordem de tamanho e formato. As gavetas de tampas, talheres e panos de prato segue a mesma ordem, assim como todas as outras dependências da casa. Visitar esta casa é como estar dentro de uma revista de decoração. Todo esse empenho é acompanhado de discursos sobre a importância de manter tudo em ordem e severas críticas aos seus três filhos e o marido por não valorizarem tanta organização.

Sua casa não é só organizada, é imaculadamente limpa. Micróbios e bactérias são a sua obsessão. O primeiro Vaporetto vendido no Brasil foi Cassandra que comprou, é como se fosse uma extensão do seu braço. Comprou também máquina de lavar louça, não por comodidade, mas porque ficou sabendo que além de lavar, também esteriliza a louça.

De ácaro tem um ódio mortal, tanto que gostaria de um confronto pessoal como do Batman e Pinguim.

Quando percebe que alguém da família vai tomar banho, ela literalmente avança nos seus pés e arranca suas meias, pois não admite a hipótese de lavar os pares de meias separados, para que não se extravie um pé da meia. Todo mundo já teve pelo menos um pé de meia, inexplicavelmente extraviado, já faz parte do nosso cotidiano. Alguém até já escreveu uma história explicando que as meias perdidas vão para o Reino Perdido do Beleléu, mas nesta família não existe a menor chance disso acontecer.

Cassandra não se senta para as refeições com a família, fica rondando à mesa e ao menor descuido: vapt, tira o prato, os talheres e o copo pra lavar, sabe-se lá se é de medo das sobras entrarem em decomposição. Em sua opinião, além de uma refeição balanceada a higiene na cozinha é fundamental.

Com todos estes cuidados a família raramente adoece, mas quando isto acontece o médico é bombardeado com perguntas referente a causa da doença que está sendo tratada e suas possíveis complicações. Logicamente os cuidados são redobrados.

Cassandra lê tudo sobre saúde. Conhece de cor todas as doenças, as virais e bacterianas. Das doenças virais sabe toda forma de contágio. A propósito disto também faz discurso para a família. Ninguém reclama mais, não adianta. Seu marido apenas balança a cabeça e sorri.

Enfim as crianças cresceram e foram embora cuidar das suas próprias vidas. Um dos meninos hoje é médico. Um dia ele mostrou um ácaro para sua mãe no microscópio, ela ficou impressionada! E pensar que ela tinha lutado tanto (e vencido) com este tipo de monstro cheio de pernas. Seu outro filho trabalha com estatística. A sua filha casou-se com um médico e mora num destes países subdesenvolvidos fazendo trabalho filantrópico. Escreve longas cartas contando tudo sobre seu trabalho e finaliza falando que sua mãe não viu nada de vírus e bactérias comparando com o que eles têm lá.

Seu marido também foi embora com Larissa, uma jovem que usa um piercing no umbigo e outro na sobrancelha, algumas tatuagens e um topete azul. Larissa não sabe a diferença entre um vírus e uma bactéria.

Hoje Cassandra dá cursos e palestras sobre método e organização para mulheres como eu, como você. Eu por exemplo, faço minha lista no carro, a caminho do supermercado. Espero que isso não acrescente pontos na carta de motorista. Meu armário de potes plásticos é um caos, que é uma sorte quando alguém consegue encontrar um pote e sua tampa. Minha casa é muito limpa, mas desconsidero a existência de germes e bactérias. Quanto as meias eu acho que deveria haver uma lei obrigando aos fabricantes de meia incluírem um pé a mais em cada par.

Guardem bem este nome: Cassandra. Qualquer dia nós vamos assistir a uma entrevista dela no Programa do Jô, divulgando os livros sobre Organização e Método que com certeza ela está escrevendo.

Abril de 1.998

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