Quando você está solteira é impressionante o interesse dos amigos e parentes para te arranjar um namorado. Todo mundo conhece alguém ou tem um primo, tio, cunhado que acham que é sob medida pra você.

Quando minha amiga Irene falou que ia me apresentar o seu primo, eu pensei: ela é mais que amiga, quer nos tornar parentes. Quando ela me falou das qualidades, da situação financeira eu o imaginei um príncipe encantado. Quando eu o conheci, percebi que ela era mais amiga do seu primo do que minha.

Eu o conheci em uma festa, onde todas as pessoas estavam bem vestidas e perfumadas. Ele se destacava na multidão; a roupa que ele estava vestido parecia ter sido comprada no saldão de algum brechó. O corte do cabelo eu não sei em que época foi moda. Me recusei a olhar o sapato. Para piorar, minha “amiga” provavelmente já tinha falado sobre mim, pois ele agiu como se tivesse tudo acertado entre nós. Posou de meu par na festa, espantando possíveis interessados. Conversando com ele, já que não havia outro jeito, fui confrontando as qualidades que Irene falou que ele tinha com o que eu podia perceber. Ela havia falado que Henrique era uma pessoa sem afetação ou modismo. Eu percebi que ele era desleixado e antiquado. Ela falou que ele era econômico, eu descobri que era sovina. Fiquei sabendo que ele tinha o hábito de se hospedar com os parentes. Era por isso que faziam tanta questão de casá-lo. Uma mulher desesperada veria nele um diamante bruto, pronto pra ser lapidado. Não era o meu caso, mas infelizmente parecia que ele estava nesta situação, pois grudou em mim de tal forma, que estava ficando difícil me livrar dele. Principalmente porque eu não queria magoar minha amiga.

Não pensem que ele me mandava flores ou e mail. Não mandava flores porque romantismo não era a sua principal característica e custa caro. Não mandava e mail, pois achava que computador era um modismo sem propósito, que logo ia passar, então não valia a pena se interessar.
Henrique aparecia com freqüência na frente da empresa que eu trabalhava, com suas roupas despojadas. Além de me matar de vergonha diante dos meus colegas, não me convidava para jantar nem ir ao cinema, propunha me levar pra casa, tentando dar um ar romântico pra coisa. Apesar de cansada e com fome eu sempre inventava compras no shopping, pensando que isso o espantaria por medo de se sentir obrigado a pagar as compras. Não adiantava, pois ele ia e ainda dava palpite nas minhas compras.

Irene sempre me ligava pra saber a quantas andava o que ela chamava de romance, e como eu falava que não havia romance ela não acreditava e ainda ficava magoada por eu não fazê-la minha confidente

Antecipei minhas férias e viajei. Como não era temporada, só tinha casais aposentados ou família com criança pequena. Um tédio. Quando retornei, lá estava ele com as mesmas roupas, e a mesma conversa chata de sempre. Mudei a hora de sair do trabalho e o número do meu telefone, mas ele não demorou descobrir. Resolvi mandar currículo para outras empresas na esperança de me livrar da sua presença incômoda.

Meus colegas não me convidavam mais pra sair depois do trabalho e nos fim de semanas por me julgarem comprometida. Quando eu os convidava, sempre tinha algum engraçadinho que perguntava se eu tinha brigado com o “tigrão”. Não adiantava dizer que eu não namorava tal pessoa, todos debochavam, pois o viam sempre me esperando e telefonava todos os dias. Diziam que não fazia sentido eu negar, que eu deveria deixar de ser ciumenta e convidá-lo pra sair com a turma.

À noite eu custava dormir, procurando uma forma de me livrar do Henrique. Pensei em fazer intercâmbio, mas a hipótese de morar em um país de língua estrangeira e costumes estranhos me desanimou. Achei que se eu mudasse de casa ficaria livre dele, seria a solução ideal. Assim que mudasse de emprego, mudaria de casa. Dormi com esta resolução e sonhei que estava me mudando para uma enorme casa com muros altos e segurança armada. Os carregadores estavam tirando meus móveis do caminhão. Um dos carregadores me perguntou: onde eu ponho isso? “Isso” era o Henrique, com seu sorriso e sua roupa fora de moda. Acordei suando e apavorada. Mais um plano que não daria certo.

Já que meus amigos não podiam me ajudar resolvi recorrer aos conselhos da minha mãe, apesar de não ter mais idade de colo. Contei tudo: como o conheci, como ele era e como estava tornando minha vida impossível. Minha mãe com a “sabedoria” das mães, falou que eu estava sendo muito exigente, que devia estar exagerando ao falar dos defeitos do Henrique. Falou também que quando ela conheceu o meu pai, ele não era a maravilha que é hoje, (não consigo imaginá-lo pior), que muitas vezes cabe a mulher a tarefa de moldar o homem e fazê-lo ao seu gosto. Me senti órfã.

Continuei minha vida, tentando driblar o Henrique, aguardando um chamado de outra empresa e escolhendo um novo lugar para morar, mas tudo sem sucesso.
Uma idéia começou a tomar forma na minha cabeça: a do diamante bruto! Reconheço que era uma solução desesperada, mas era como eu me sentia em relação a minha atual situação. Calmamente tracei o plano completo. Se não desse certo, seria apenas mais um que falhou.
Comecei por descobrir a data do aniversário do Henrique. Não economizei no presente: Comprei roupas de boa qualidade e moderna para presenteá-lo. Também comprei sapatos. Marquei hora no cabeleireiro e combinei o tipo de corte que ele deveria sugerir para o Henrique. Teria que inventar uma desculpa para levá-lo. Tirei uma tarde livre e contei pra ele. Claro que ele estava me esperando e me acompanhou sem perguntar aonde eu iria. Não estranhou eu ir ao cabeleireiro e se dispôs a esperar. Falei pra ele aproveitar e cortar o cabelo para não se aborrecer de me esperar. Eu pagaria. Nem foi preciso insistir. Depois do cabelo cortado ficou encantado com a sua aparência, disse que estava parecendo um garoto. O cabeleireiro também não economizou elogios. Não era pra tanto, mas confesso que ficou melhor do que eu esperava. Quando saímos do salão, ele estava tão feliz que até estava menos feio, ou mais bonito. Achei melhor dar a roupa e o sapato no dia seguinte. Era melhor aproveitar a felicidade da sua nova aparência aos poucos. Estava sendo muito divertido!

No dia seguinte, dia do seu aniversário, como sempre ele estava me esperando. Entreguei os presentes. Ele ficou numa felicidade incrível, pela lembrança da data e pelos presentes. Adorou as roupas e me chamou de maluca por gastar tanto com ele, pois era óbvio que eram roupas caras. Aproveitei para falar que quando uma roupa era de boa qualidade, ficava com melhor aparência por mais tempo e durava muito mais, portanto não poderia ser considerada cara, valia o que custava. Ele aceitou muito bem a justificativa, talvez por não ser ele quem pagou. Neste dia ele estava apressado pra ir embora, percebi que era para experimentar as roupas e o sapato novos. No dia seguinte ele me ligou para agradecer e falar que tinham ficado ótimas e me convidou pra jantar. Quase não acreditei, depois fiquei preocupada com o lugar onde ele estava pretendendo me levar. Talvez uma pastelaria ou lanchonete. Não era. Me levou a um restaurante decente, será que ele pretendia que eu pagasse? A brincadeira estava perdendo a graça. Para minha surpresa pagou sem reclamar. Uma vitória que eu atribuí aos presentes. Outra coisa que me surpreendeu, foi que as mulheres no restaurante e nas ruas, olhavam pra ele, eu diria, com admiração. E ele estava percebendo e gostando! Achei um tremendo desaforo, pois a idéia do corte de cabelo foi minha, a roupa fui eu quem escolheu.

Nos próximos dias ele estava usando suas antigas roupas e parece que não estava confortável. Falou que achava que estava engordando, pois suas roupas estavam apertando, incomodando. Sugeri de brincadeira que entrasse numa academia de ginástica. A princípio me olhou aborrecido. Ele estava esperando elogio pelo seu físico, ou queria que eu comprasse mais roupas? Depois de pensar um pouco, falou que não era má idéia, pois estava precisando de uma atividade física.

A próxima vez que o vi, já tinha se matriculado em uma academia e me convidou para ir com ele comprar roupas esportivas e tênis. Entendeu direitinho a lição sobre roupas de boa qualidade. Acho que até exagerou, pois eu achava que desistiria logo desta nova atividade. Ficou uns dias sem aparecer, deveria estar todo dolorido. Quando veio, estava cheio de idéias novas. Um verdadeiro senhor saúde. Era um tal de alimentos energéticos, catabolizantes, massa muscular, bebida isotônica, bíceps, tríceps. Felizmente estava com roupas normais, pois nem posso imaginar se ele viesse de camiseta regata, meião e tênis. Dava pra perceber que ele estava dolorido, mas não deu o braço a torcer. Com esta nova atividade ele aparecia com menos freqüência e eu podia tocar minha vida como antes, mas eu já tinha perdido o hábito das coisas que eu fazia antes de conhecer o Henrique, que fiquei meio sem ter o que fazer.

Chegou a época de eu tirar férias e planejei ir para o litoral. Contei pro Henrique e ele achou uma ótima idéia e se convidou pra ir também. Como seria inútil discordar, ajudei-o a comprar roupas adequadas, uma atividade que ele já fazia com prazer. Chegando ao litoral houve discordância sobre a quantidade de estrelas do hotel, pois a mesma teoria das roupas não se aplicava. Então sugeri ficarmos em hotéis separados e para minha total surpresa ele concordou. Percebi que eu precisava ter bons argumentos para cada situação e mais alguns de emergência.

A primeira noite no hotel eu dormi muito mal, acho que estranhei a cama. Imaginei como teria sido a noite do Henrique num hotel com menos estrelas. Acordei tarde, e depois do café fui dar uma volta na praia. Qual não foi minha surpresa ao ver o Henrique rodeado de pessoas, a maioria mulheres, e ele estava falando no seu novo assunto predileto: fisicultura. Todos pareciam muito interessados, as mulheres interessadas demais. Como o assunto não me interessava, fui passear sozinha. Voltei para o almoço e o encontrei bem disposto e muito satisfeito com as novas amizades. Ótimo, assim ele me deixaria em paz. À tarde fui à praia, o Henrique também foi e não demorou aparecerem seus novos amigos. Cervejinha pra cá, camarãozinho pra lá, muito papo furado e muito assanhamento das suas novas amigas. E ele achando tudo muito natural. O cúmulo foi a certa altura da conversa, alguém perguntar se eu era prima ou irmã dele. Fiquei sem saber o que responder e ele teve o desplante de dizer que éramos amigos. Amigos? Essa foi demais! Enfim eu estava livre pra arranjar namorado. Deixei o Henrique pra lá e comecei a olhar á minha volta para ver se tinha alguém que valesse a pena. Não existe lugar melhor pra arrumar namorado do que na praia, mas esta temporada estava fraca. Deve ser por isso que o Henrique estava fazendo tanto sucesso. Resolvi levantar cedo para ver a chegada dos pescadores e lá estava o Henrique correndo na praia com um bando de mulheres com a língua de fora, correndo atrás dele e elogiando sua boa forma. E eu não vi nem um peixe interessante.

Decidi pelas diversões noturnas. Com certeza o senhor saúde não estaria lá. Estava enganada. Suas amiguinhas o convenceram que com sua boa forma física, só uma noitada não o prejudicaria. Não conheci nem um boêmio que valesse a pena. No dia seguinte o Henrique perguntou se eu o ensinaria a dançar, pois ele estava perdendo a oportunidade de se divertir dançando. Recomendei uma escola de dança. Tive vontade de sugerir balé.

A cada dia o Henrique mais se enturmava, se bronzeava, se divertia e até achou quem o ensinasse a dançar. Ao contrário, eu me aborrecia, me chateava, não arrumei namorado e fui muito picada por mosquitos e pernilongos. Terminei as férias mais estressada do que quando estava trabalhando.
De volta a minha casa, recebi finalmente uma proposta para um novo emprego. Fui à entrevista, mas não me interessei. O salário era um pouco maior, mas até eu me adaptar, fazer novas amizades e talvez enfrentar um chefe desagradável, não valia a pena trocar de emprego. Melhor esperar uma proposta melhor.
O Henrique com seu novo visual, seu horizonte ampliado, abriu uma loja de produtos naturais e vitaminas, para os adeptos de culto ao corpo. Claro que ele me pediu para ajudá-lo a escolher o local e fazer a decoração da loja. O negócio foi um sucesso! A loja é freqüentada por homens musculosos e mulheres de barriga de fora e collant cavado.

Hoje ele tem uma cadeia de lojas e continua muito assediado. E é lógico que eu sou a mulher que ele escolheu pra gerente. Sempre que alguém pergunta como tudo começou, ele fala que deve tudo a uma grande amiga, que o ensinou desde a se vestir até a investir em si mesmo. Eu continuo a esperar o meu príncipe encantado, nem que seja com anabolizante.
Bom mesmo era no tempo da minha mãe, que se podia lapidar um diamante bruto e desfrutar do seu brilho.

2 comentários:

DundeeFael disse...

oi Odete muito obrigada pelas palavras carinhosas que deichou no meu blog e obrigada pela visita volte sempre gostei muito do seu blog adoro ler muito intereçante o conto acima!!! li tudo ...bjssss
FIA

Cauê Santos disse...

Olá sem prefácio... rs

Lendo o comentário acima observei que seu nome é Odete.

Oi Odete ! Hehehehe

Vim aqui, pq vi que tu és uma das novas seguidoras do meu blog, e fiquei mt grato com esse carinho.

Aproveitei pra dar uma volta por aqui, olhar o blog, e ler um pouco.

Gostei mt, mas mt mesmo do que li. Achei histórias mt interessantes e bem narradas, que me despertaram a curiosidade e o interesse.

Esse conto mesmo, eu estava no trabalho, e cheguei a ficar irritado pq demorei a acabar de ler... hehehe
Levei uns 15 minutos lendo pq tinha outras coisas pra fazer.

Olha, estás de parabéns !

Eu te desejo mt sucesso, mta saúde e realizações !!

Quem sabe escrever um livro???? (Esse é um dos meus sonhos de consumo!) Hehehe

Um abraço e um ótimo fim de semana !

Bjão, Cauê

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