JORGE
Jorge não se conformava por não ter acumulado dinheiro em uma conta secreta. Agora viria a calhar. Poderia quem sabe comprar uma casa para se encontrar com Janaína. Ela era tão pura que ficava chateada toda vez que iam para um motel. Infelizmente não tinham outra opção, já que não podiam ser vistos juntos. Era uma maratona toda vez que se encontravam e quando ele a deixava. Não podia nem passar na sua rua. Ficava furioso com Helena e com a mãe da Janaína. Tinha que ser tão antiquada, tão controladora? Que inferno não poder se encontrar todos os dias. Precisava arrumar alguma distração, pois ir pra casa cedo era um saco! Geralmente Helena não estava. Parece que queria ser a melhor corretora! Como se ela precisasse de mais dinheiro!
Com Janaína envolvida com a família, sem outra distração foi para casa cedo como nos últimos dias. Helena estava em casa, o Jr sabe-se lá onde estaria e Clara tinha acabado de sair para se encontrar com as amigas.
Inexplicavelmente Helena estava bem humorada, falando pelos cotovelos, justo hoje que Jorge estava irritado. Falou que estava indo bem na imobiliária, que tinha concluído algumas vendas. Quem estava interessado nisso? Jorge fingia que ouvia, com o pensamento em seus problemas. De repente começou prestar atenção no que Helena estava falando. Ela estava falando em viajarem. Os dois! Como se ele fosse um desocupado! Adalberto podia se dar ao luxo, pois tinha a ele pra cuidar da fábrica. E como se ele quisesse viajar com ela! Nem quando ela era jovem e um tantinho interessante não se dispôs a sair pelo mundo com ela, quanto mais agora que ele tinha Janaína.  Claro que Jorge não falou dessa forma pra Helena. Disse que essa era a pior época para se ausentar da fábrica. Ainda se pudesse contar com o Jr para alguma coisa, talvez pudesse também se dar ao luxo de viajar. Jorge decidiu que mesmo que Helena ficasse chateada, não iria viajar com ela.

HELENA
Helena sabia que Jorge tinha amante. Os sinais eram evidentes: desculpas elaboradas para justificar uma demora ou ausência que ela nem notava ou se importava, roupas incompatíveis com seu estilo e habilidade pra desabotoar colchetes. Além disso, Adalberto tinha falado que algumas contas na fábrica não estavam batendo, que ficasse esperta, até se ofereceu pra dar um aperto em Jorge, mas Helena disse que não seria preciso, somente ficasse atento aos valores.  O que ela não falou para seu irmão era que enquanto ele estivesse se sentindo culpado, ela poderia se encontrar com Roger tranquilamente.
Com a certeza do envolvimento de Jorge com outra mulher Helena fez um balanço em sua vida de casada. Já não tinha certeza se deveria ter se casado com Jorge. Lembrou-se de quando o conheceu numa das festas na fábrica, que seu pai os obrigava a ir. Ele chamou sua atenção por estar isolado, observando os companheiros de trabalho se divertindo. Acabou sabendo tudo sobre ele, inclusive que seu pai o admirava.  Em outra ocasião que o viu ele continuava isolado. Preocupada que ele estivesse sendo rejeitado pelos seus companheiros, aproximou-se dele para conversar, ele parecia tão triste, tão desambientado, que ela se sentiu na obrigação de fazer-lhe companhia. Sentia-se bem ao lado dele, ele ouvia com tanto interesse tudo que ela falava. Logo começaram namorar, com a aprovação do seu pai, desaprovação de sua mãe e total rejeição de Adalberto. Ela escolhia todos os passeios que faziam, Jorge aceitava com a maior boa vontade. Aos poucos os amigos começaram a aceitá-lo. Como ele era muito esforçado, recebeu promoções e aumento de salário. Já não parecia mais tão triste, mas nas festas continuava isolado. Não se enturmava com os operários e não se sentia a vontade com o pessoal do escritório. Mas tinha Helena pra lhe fazer companhia. Era invejado pelos colegas por namorar a filha do dono e receber privilégios do pai dela, mas isso não o incomodava: Sabia que era competente no trabalho e foi Helena quem se aproximou dele, não poderia ser acusado de oportunista. Sua mãe acabou se conformando com o namoro e Adalberto nem implicava mais com Jorge, pois seu pai parou de pressioná-lo para se interessar pela fábrica. Seu pai via em Jorge seu sucessor. Antes de terminar a faculdade ficaram noivos. Helena desistiu de insistir pra ele fazer faculdade, ele dizia que seu curso técnico era melhor que qualquer faculdade e ficava muito cansado com o trabalho, que não agüentaria estudar a noite.
Terminada a faculdade, seria natural para Helena fazer especialização fora do país, mas ela não se animava em ficar longe do noivo, então decidiu ficar por aqui mesmo e quem sabe depois de casados iriam os dois passar um tempo na Europa. Isso não aconteceu. Casaram e as obrigações na fábrica foram crescendo, seu pai envelhecendo, adoecendo e por fim morrendo. Jorge ocupou com prazer o lugar do sogro, na fábrica e Adalberto como herdeiro ficou de olho. Viajar pra fora só mesmo na Disneylândia com as crianças, Jorge nunca achou tempo e nem considerava importante sair pelo mundo pra conhecer lugares ou gente que não falavam a mesma língua que ele. Sempre que tinha oportunidade Jorge criticava o estilo de vida dela e de Adalberto. Criticava os amigos, dizendo que eram um bando de metidos que pensavam ser melhor que os outros por ter diploma de faculdade e terem nascido em berço de ouro. Ao invés de ficar com raiva Helena sentia pena do marido, pois sabia que ele se achava inferior, que não fazia parte do mundo destas pessoas. Ela tinha feito o possível para ele se sentir bem com seus amigos, mas não teve sucesso.
Não seria má idéia fazer uma viagem agora. Ocupado com a fábrica e com sua nova distração, Jorge nem se incomodaria. Seus filhos crescidos, não seriam obstáculo.

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